domingo, 20 de janeiro de 2008

I'M BACK (IT IS I, LE COSTA)

O SABRE DE CRISTAL

PRÓLOGO

“The Beggining is a very difficult time”
-“Dune”, David Lynch

Raramente se encontra combinação mais poderosa do que o amor e a maestria de uma Arte. Assim, o casamento do renomado Alquimista e Professor de Respiração com uma Sacerdotisa da Natureza só podia originar filhos bonitos e prenhes de esperança para a Humanidade, momentos de alegria com grandes amigos e desenvolvimentos raros de energias incalculáveis.

Tudo isto o antigo guerreiro – sim, para ter Paz há que ganhar muitas batalhas – sintetizou em dois Objectos de Poder.

Saibam, pois, que o Mago descobrira (ou reencontrara...), contando inúmeras noites em branco, e muitos séculos antes de Einstein, que a Matéria é análoga à Energia, e que a sua subtil transmutação, no momento e estado de Espírito ideais, pode originar produtos só imagináveis, e nem sequer para o comum dos Mortais.

Assim, tinha dominado a Arte do Cristalaço (eras mais tarde, uma versão abastardada foi utilizada pelos vidreiros da Ibéria), material virtualmente indestrutível que lhe permitiu fazer filigranas delicadas tais ressaca do Atlântico ao luar de Agosto com a resistência do diamante, ou armas leves como penas que cortavam pedra. Este conhecimento entre todos os que adquiriu celebrizou-o, enriqueceu-o... e tirou-lhe o que mais amava.




De facto, criara imunidade aos vapores venenosos do chumbo, que quase podia beber derretido ao fim de décadas de manuseamento, mas em cada noite de paixão estava a matar aos poucos a esposa amada, frágil ente perante os mistérios da Física.

Saiu, pois, consumido de desgosto da cremação da nova Deusa dos Sóis, levando apenas as cinzas e a roupa que tinha no corpo.


Na montanha construiu com as próprias mãos um laboratório único, para ser usado apenas uma vez, e as ferramentas para retirar da Terra os mais puros materiais, que só ele, no seu tempo, conseguia reconhecer e trabalhar.

Desse esforço sobremortal de 20 anos nasceram dois tesouros que Salomão ou os Templários não rejeitariam para as colecções.

Para os etéreos despojos da amada concebeu e executou em forma de cacho de uvas brancas uma urna mínima que faria corar Fabergè de vergonha, peça solidária de metal translúcido com laivos amarelados – usara desta vez mais ouro do que pedra filosofal no cadinho - com tampa ornada por um gigantesco berilo, cristal divinatório dos arcanos druidas, lapidado com lágrimas.

Depois, pensou num meio de expiação que pudesse falar em seu nome durante a Eternidade, e lembrou-se de todas as mortes que o seu braço treinado causara em Guerra. Justas, talvez. Mas mortes, de filhos, pais e irmãos. Que haviam deixado viúvas órfãos, e casais destroçados de dor.

Foi a fase mais difícil, apesar de tudo, porque o Amor simplifica tudo. Já a Ética fia mais fino. Como o gume de um sabre, talvez... E deitou mãos à obra. De uma pepita maciça de ferro criou a recurva lâmina inspiradora dos armeiros japoneses, que sempre tentaram voltar a essa excelência primordial, contada através das gerações pelos bardos, batendo, dobrando, voltando a dobrar milhares de vezes o aço... pobres ingénuos, néscio Hattori Hanzo, faltava-lhes o essencial!

O segredo alquímico do Cristalaço (além da pureza do aço – há quem diga que é impossível obtê-la em 100 por cento, mas uma misteriosa coluna no Oriente prova o contrário: será que é um Padrão dos Descobrimentos extreterrestre?) é chegar ao improvável ponto de fusão em que o metal é soprável por uma cânula: em vez de fazer copos, porque não nessa altura usar um mero molde (vieram a a florescer de igual modo na mesma região da Península Luso-Hispânica) para que a espessura e consistência sejam as pretendidas?

A simplicidade é sempre o mais difícil de obter: que o acto reflicta o pensado. E, muitas luas depois, os olhos azuis-rasgados de Jin-El contemplavam a perfeição.

Comecemos pelo punho, em que a guarda foi constituída por uma suástica, símbolo do Movimento da Criação Universal muito mais tarde conspurcado por uma das Legiões Negras: cada raio, seu relâmpago de pedras preciosas multicores, viradas para o adversário, que só com
o brilho se desoncentraria. Mas a lâmina, amigos, a lâmina...

Tomemos uma pena da cauda de um pavão no cio, acabada de perder num acto vibrante de amor com a companheira do príncipe entre as aves, enfim seduzida.

Mantenhamos-lhe a paleta incomensurável, mas cambiante a todo o momento, como mar sob céu um nadinha encoberto.

Mas, para quem a segura, que a obra de arte bélica mantenha a cor uniforme, embora com reflexos de um... como dizê-lo, isso mesmo, um sabre, mas um sabre que não é um sabre (incha Aristóteles, hoorray Magritte), pelo menos como os das cargas de cavalaria ou dos duelos efémeros dos samurais, talvez até mais parecido com aqueles que só cortam gargalos de garrafas de champanhe.

Isto tudo conseguiu facilmente concretizar o génio de Jin-El, e mais.

Um bebé de meses pegaria na arma como na roca, e a armadura mais resistente seria como uma fralda para lhe suster o golpe.

Num rio, ou melhor, com a lâmina enterrada no leito de seixos de um regato de trutas, enfrentando a corrente, as folhas mortas em viagem, em vez de se suicidarem ao meio, não só contornariam o fio acerado que nem o ferrão de uma cobarde melga em noites quentes de Verão, como reverdedeceriam para logo dar lugar a rebentos numa pequena Primavera.

Era à medida de quem o usasse, anão ou gigante, e obrigava quem o tirasse da bainha (já veremos como era...) a dizer a verdade, sob pena de aquecer tanto como a forja candente em poucos segundos.

E, the last but not the least, se usada como espelho de meditação, como o criador pretendera, dava a medida espiritual de quem a contemplava, bem como a sua posição na Via do Que Foi, É, e Há-de Ser.

Chorou 2 dias após dar por terminada a tarefa. Preparou um explosivo que inventara nas horas livres (mais tarde houve quem criasse o Prémio Nobel por causa disso, mas sobre o velho estudante nem uma linhaça...), colocou-o nas rochas da caverna (não, não é uma alegoria) em pontos calculados matematicamente para o maior efeito de alavanca - com Pitágoras e Arquimedes nunca teve hipóteses de trocar apontamentos – e deitou-se com as cinzas de Ni-La nas mãos, e o sabre ao lado na bainha.

Em ambas as relíquias tinha gravado em todas as línguas que conhecia – e eram muitas – a frase: “Peço-te perdão, Mãe Terra.”

Ficou na escuridão a ver esgotar-se o a chama do rastilho, e os últimos pensamentos antes da derrocada foram: “Haverá quem se lembre de mim?”

Houve um estrondo, barulho de choques secos e tudo quedou mudo durante milénios. Até que, num espaço-tempo muito próximo do nosso...