quarta-feira, 27 de agosto de 2008

O SABRE DE CRISTAL: CAPÍTULO 1


O tremor de terra

A ressaca já ia alta, e os raios do sol de Verão ofendiam-lhe as pupilas e torturavam-lhe o cérebro, como se não bastassem os ruídos da grande cidade costeira: malditas margueritas!!! E aquele zumbido... ah, sim, o telemóvel, droga!

- Sim, Rui Espada aqui, onde é o fogo, um homem não pode descansar... Uma da tarde? Sim, e então, um jornalista não tem horários! Falhei o serviço? Ora, uma inauguração da treta... Copiem os textos da agência, que não dou cobertura a corta-fitas!

E desligou. Quando encurraladado, nunca dar parte de fraco, era um dos seus lemas. Afinal, para que serve o estatuto de grande repórter se não podemos baldar-nos ao trabalho depois de uma noite de estroina?

Já estava de pé a meditar na logística necessária para tomar um duche com pequeno-almoço associado, quando o grilo electrónico se fez ouvir de novo.

- Outra vez, inquiriu em grito, sem olhar para o número do visor (mau feitio, ou excesso de sangue no álcool...)?

- Olha lá, estás a falar com a tua mãe ou quê? Estás mas é a precisar que te chegue a roupa ao pêlo como anteontem lá no ginásio!

Grande bronca, era a Mariazinha, ou melhor, a inspectora-especial da Judite Maria Rogério, sua amiga, confidente, mestre de artes marciais e, ocasionalmente, fonte preciosa de dicas oriundas do submundo em que buscava os factos para apelar, em sangrentas manchetes, ao espanto dos transeuntes nos escaparates onde o seu jornal era exibido.

Foi baixar o som da televisão, que tinha ficado ligada (um abalo sísmico tinha trazido à luz do dia umas relíquias num país de nome asiaticamente impronunciável, lia a pivô do Geographic Discovery), e foi pôr água na fervura.

- Fofinha, desculpa lá, os tipos do jornal acordaram-me por causa de um serviço da tanga, eu que lhes ando a dar cachas dia sim dia sim... Bom, já há uns meses que não, mas tu podes confirmar que isto anda mal de crimes... Parece que os maus também foram de férias!

- Muito engraçado! Foi em pesquisas infiltrado que te encarroçaste ontem? Cheira-me mais a caso de saias!

- OK, ganhaste, mas tenho de manter uma imagem de boémio e mulherengo para ganhar o respeito e a confiança dos meliantes, sabes bem...

- Pois sim, bem te conheço ó máscara. Mas adiante. Para provar que estás perdoado, finge que nunca te disse isto: vamos ter um trabalhinho top secret de protecção a umas obras de arte antiquíssimas do Oriente, que vêm a restauro. O próprio imperador do Olmestão vem na comitiva, porque as bugigangas são assim como que um tesouro religioso...

Já não ouviu bem esta parte – Sim, sim, obrigado, Mariazinha, depois falo contigo, pois estava a ver no ecrã o resgate de uma múmia – pareceu-lhe que falaram em 3 mil anos AC... – e uma arma curiosa.

“Parece que a lâmina é transparente”, pensou antes de deixar a água correr sobre o corpo de 30 anos musculados, ainda imune aos vícios nocturnos.